O Plenário da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) foi palco, nesta sexta-feira (22), de uma sessão solene em celebração ao Dia da Cultura Ayahuasqueira, comemorado no próximo dia 24. Instituída pela Lei estadual n° 3.399/2018, a data homenageia uma tradição espiritual, cultural e social que tem raízes profundas no estado. A solenidade, que contou com a participação de várias autoridades, é fruto de um requerimento da Mesa Diretora da Casa, representada pelo presidente Luiz Gonzaga (PSDB).
A cultura ayahuasqueira é reconhecida por seu vínculo com a utilização ritualística da ayahuasca, uma bebida de origem amazônica preparada a partir da combinação do cipó jagube (Banisteriopsis caapi) e da folha chacrona (Psychotria viridis). Seu uso remonta a práticas ancestrais dos povos indígenas, mas foi consolidado no Acre a partir das décadas de 1920 e 1930, com o trabalho de líderes como Mestre Irineu, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo.
Na abertura da solenidade, o presidente da Aleac, deputado Luiz Gonzaga, expressou sua satisfação em receber todos os presentes e destacou a importância da cultura ayahuasqueira para o Estado. Essa sessão é uma forma de reconhecer e valorizar essa tradição cultural, que é um patrimônio do povo acreano e também um elo de união entre diferentes comunidades”. O parlamentar enfatizou o papel fundamental que a cultura tem no fortalecimento da identidade e espiritualidade de diversos povos, sendo uma prática que ultrapassa barreiras religiosas e culturais. Ele também agradeceu aos deputados e autoridades presentes, reforçando a relevância do evento para a história do Acre.
Em seguida, o juiz federal Dr. Herley da Luz Brasil, que participou da solenidade pela modalidade online, destacou a relevância do legado ayahuasqueiro para o Acre e o mundo. “O Acre, com sua simplicidade, deu ao mundo a cultura ayahuasqueira, nascida nas florestas e comunidades, que une valores indígenas, negros e cristãos. Assim como a mensagem de Cristo começou em Belém com pessoas simples e transformou o mundo, a ayahuasca carrega valores profundos de conexão com o divino e com o próximo, inspirando gerações”, afirmou. Ele ressaltou ainda que a tradição vai além das fronteiras religiosas e culturais, promovendo espiritualidade e união entre povos e crenças.
Elison Nukini, representante do povo Nukini, ressaltou a importância da ayahuasca como parte da cultura e espiritualidade indígena durante a sessão solene. “É um momento muito importante para consagrarmos essa bebida tradicional, fortalecendo nosso conhecimento, nossas medicinas, rezas e pinturas. Precisamos valorizar e proteger nossos recursos naturais e a herança deixada por nossos ancestrais, buscando cada vez mais aperfeiçoar esse trabalho sagrado”, declarou, destacando o papel da ayahuasca na preservação cultural e espiritual dos povos originários.
Já Eufrázio Moraes, que discursou representando a Defensoria Pública do Estado, destacou a relevância das comunidades ayahuasqueiras na prevenção de conflitos e na promoção da paz. “Como defensor e sócio da União do Vegetal, percebo que essas sociedades, ao trabalharem pela ordem, ajudam a prevenir situações que poderiam chegar ao Judiciário ou à Defensoria Pública. É um trabalho importante que já recebe reconhecimento da Assembleia Legislativa e do Governo do Estado”, afirmou. Ele também ressaltou a necessidade de superar preconceitos e valorizar essas comunidades como patrimônios culturais e sociais, essenciais para o equilíbrio da sociedade.
Em sua fala, Dr. Cosmo Maia de Lima Sousa, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre, parabenizou a Assembleia Legislativa pela iniciativa de reconhecer e valorizar a cultura ayahuasqueira. “A expansão do uso da ayahuasca no Brasil é uma realidade que traz desafios, mas essa lei é um grande passo para a consolidação e preservação dessa cultura, que é de uma complexidade imensa, envolvendo aspectos religiosos, ambientais e jurídicos”, afirmou. Ele ainda destacou a importância do nome escolhido para o Dia da Cultura Ayahuasqueira, que é inclusivo e reúne todas as manifestações culturais relacionadas ao uso da ayahuasca. “Essa é uma forma de respeitar o povo da nossa terra e do nosso país, reconhecendo sua importância para o Brasil e para o mundo”, concluiu.
O sr. Edson Lodi, representante do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, expressou sua alegria e gratidão durante o evento. “Faço minhas as palavras de agradecimento ao deputado Luiz Gonzaga e a todas as autoridades aqui presentes. É uma grande alegria ver aqui irmãos da Casa de Mestre Irineu, onde sou sempre recebido com respeito e agraciado pela luz do Daime”, afirmou. Ele também lembrou com carinho a Madrinha Peregrina, a quem tem grande respeito, e destacou a harmonia entre as casas religiosas. “É um motivo de grande alegria estar aqui e poder representar o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, uma religião criada por Mestre Gabriel, que nos guia em luz e sabedoria”, concluiu.
Rosana Martins de Oliveira, representando Francisco Hipólito de Araújo, presidente do Centro Espírita e culto de oração Casa de Jesus Fonte de Luz, iniciou sua fala com cumprimentos a todos os presentes, em especial ao deputado Luiz Gonzaga e à secretária dos Povos Indígenas, Francisca Arara. “Quero saudar meus amigos, os irmãos das comunidades ayahuasqueiras e os representantes da Câmara Temática das Culturas Ayahuasqueiras, na pessoa de Jean Freire e Onidis”, afirmou. Ela também expressou sua alegria em ter o Padre Máximo Lombardi e Manuel Pacífico presentes. “Trago um agradecimento especial a todos os deputados pela aprovação unânime desta sessão solene, em homenagem ao Dia da Cultura Ayahuasqueira”, destacou, agradecendo em nome dos familiares e da Irmandade.
Durante sua participação na solenidade, o Padre Massimo, coordenador do Instituto Ecumênico, destacou o papel das comunidades ayahuasqueiras como portais de espiritualidade, promovendo a conexão com a divindade, a natureza e a fraternidade. Ele expressou gratidão aos povos indígenas por preservarem essa cultura e ressaltou que o Instituto Econômico e Fé Política elaborou um manual de estudo, distribuído a professores de todo o país, que inclui a ayahuasca como tema no ensino religioso. “Porque a pessoa ama e respeita quando conhece. Se você não conhece, você fica criticando, perseguindo, mas quando você conhece, aí você ama, valoriza”, afirmou o padre.
A história da União do Vegetal foi construída a partir de raízes profundas na Amazônia, guiada pela visão de um homem simples, mas extraordinário, o mestre Gabriel. Durante sessão, Jair Gabriel, mestre geral do Centro Espirita Beneficente, União do Vegetal, compartilhou um relato emocionante sobre sua trajetória e a fundação da UDV, destacando o impacto transformador dessa instituição espiritual.
“Eu agradeço a todas as pessoas que dirigem a Cultura Ayahuasqueira, não só a União do Vegetal, onde fui criado. Vou contar um pouco da história do nosso mestre Gabriel, que saiu da Bahia, nordestino, veio para a Amazônia como soldado da borracha. Casou, formou família e, em 1961, no meio da floresta, criou a União do Vegetal com o propósito de trazer paz ao mundo. Naquela época, ninguém mandava cartas e poucos sabiam ler, como eu, que só aprendi aos 14 anos. Mesmo assim, ele construiu algo extraordinário, começando em Porto Velho e expandindo seus trabalhos”, declarou.
Durante sua fala, Francisca Arara, Secretária de Estado dos Povos Indígenas, na ocasião representando o governador Gladson Cameli, destacou a trajetória de resistência e adaptação de seu povo ao longo da história. Ela lembrou os tempos difíceis vividos pelas comunidades indígenas, começando com o “tempo das malocas”, quando viviam isolados. Hoje, no entanto, ela celebra o “tempo do direito”, em que os povos indígenas podem “falar por nós mesmos, trazendo a nossa voz”, e reivindicar a proteção de seus territórios e culturas. A secretária também alertou para a grave crise enfrentada pelas comunidades, com a escassez de água em 17 territórios, o que impede a preparação de sua bebida sagrada.
“Nunca na vida tinha faltado água nos territórios para fazer a bebida sagrada, e esse ano nós estamos com 17, 36 territórios indígenas que faltam água”, afirmou. Além disso, ela ressaltou que, devido aos problemas globais, pessoas de outras partes do mundo buscam se refugiar em seus territórios para “conectar com a natureza” e encontrar abrigo na força espiritual da floresta.
Mais do que uma prática religiosa, a cultura ayahuasqueira representa um movimento que mescla espiritualidade, preservação ambiental e identidade cultural. Reconhecida internacionalmente, ela é um símbolo do Acre e um patrimônio que transcende fronteiras, sendo uma importante expressão da biodiversidade e da sabedoria ancestral da Amazônia. Durante a solenidade, foram destacados os valores e contribuições da cultura ayahuasqueira, com a participação de autoridades, estudiosos e representantes de diversas vertentes dessa tradição.
Ao final da solenidade, o presidente do parlamento acreano, deputado Luiz Gonzaga, foi homenageado pelo artista plástico Jair Gabriel com a entrega de uma obra de arte. “Quero, de coração, agradecer por essa obra recebida. A nossa Assembleia Legislativa tem é um acervo lindo de obras de acreanos. E com certeza essa será mais uma obra que ficará aqui à disposição. Obrigado mestre Jair, ele que hoje recebeu o título de cidadão Acreano. Uma pessoa que, como o meu amigo Getúlio diz, que se criou lá do Seringal, para se tornar aí um artista reconhecido mundialmente. Parabéns, meu amigo.
Foram homenageados ainda:
Sr. Antônio Alves – Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo; Francisco Hipólito – Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus, Fonte de Luz; Mestre Jair Gabriel da Costa – Centro Espírita Beneficente União do Vegetal; Francisca Arara – Representante dos Povos Originários e Secretária de Estado dos Povos Indígenas; Dr. Cosmo Lima de Souza – Recebeu Moção de Aplauso e Certificado; Francisco Adamir Lima (in memoriam); Raimundo Carneiro Braga (in memoriam) – Representado por Dionéia Braga, que recebeu a Moção de Aplauso.
Dionéia Braga; Conceição Lima; Peregrina Serra; Maria Leopoldina de Araújo; Ermana da Costa e Francisca Arara.