Inauguração de escola de ensino médio, de um centro tecnológico e de um centro de artesanato eleva a qualidade de vida na reserva Cazumbá-Iracema
Com um único dedo, o indicador da mão direita, o estudante Ricardo de Carvalho dos Santos digitou, pela primeira vez na vida, o próprio nome em um computador. Uma a uma, as letras iam surgindo à sua frente como as castanhas que ele costuma colocar no latão quando está trabalhando. A cada caractere vasculhado pela vista concentrada no teclado, uma descoberta. A cada piscadinha do cursor na tela, a euforia de descobrir um novo mundo, o digital.
Em pleno século 21, o que é corriqueiro para mais de 4 bilhões de pessoas que hoje utilizam a internet, para este jovem de 19 anos é só o começo de uma grande aventura, a da possibilidade de explorar novas paisagens, tão interessantes quanto as que compõem o seu lar, a Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, encravada no coração da Floresta Amazônica, entre os municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano, no interior do Acre.
Com uma área de mais de 750 mil hectares, foi neste ambiente de floresta nativa, sob domínio da União e com gestão participativa da Associação dos Seringueiros do Seringal Cazumbá (ASSC), que o Governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes, inaugurou na manhã desta sexta-feira, 12, mais uma escola, a José Siqueira dos Santos, além de um centro tecnológico e do Centro de Artesanato Cazumbarte.
A partir de agora, será possível a continuidade dos estudos dos jovens adolescentes da comunidade, com a oferta de mais uma escola de ensino médio. Antes, eles eram prejudicados por ficarem de fora do ensino público, quando terminavam o fundamental. Já o centro tecnológico contará com dez computadores e internet banda larga para que, não só a comunidade escolar tenha acesso à rede mundial de computadores, como também as pessoas da comunidade, hoje composta de 360 famílias. Elas terão ainda a oportunidade de fazer um curso superior à distância num futuro próximo.
O governador Gladson Cameli participou das atividades ao lado do prefeito de Sena Madureira, Mazinho Serafim, do secretário de Educação, Mauro Sérgio da Cruz, do presidente da ASSC, Aldeci Cerqueira, o ‘Seu Nenzinho’, e de Thiago Juruá, coordenador regional das Unidades de Conservação do Acre, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Lideranças políticas e locais também se fizeram presentes.
Assim como o jovem que abre esta reportagem, Ezequiel Siqueira Maia, de 21 anos, matriculado no 3º ano da escola recém-inaugurada, vislumbra na inclusão digital a chance de galgar passos cada vez maiores para a sua formação em agronomia. “Não queremos sair daqui para morar na cidade. Eu quero é ajudar a minha comunidade, aqui dentro da reserva, porque nosso lar é aqui, perto de nossos pais e de nossos familiares”, afirma o jovem com o semblante de quem já abraçou a oportunidade do Governo do Estado.
A reserva extrativista Cazumbá-Iracema é classificada pelo ICMBio como referência no Brasil em inclusão social com consciência ambiental. Em 2009, eram apenas três escolas. Passados dez anos, a unidade tem 18, com quatro comunidades atendidas com escolas do ensino médio.
Em 1976, a desapropriação de muitos seringais de Sena Madureira, feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, permitiu a criação da reserva. Entre estes seringais estava o Iracema, no rio Caeté, ocupado pela Comunidade do Cazumbá. O crescimento do assentamento fez surgir a especulação de terras para loteamento. Foi aí que os moradores se uniram e se concentraram num único centro habitacional, impedindo que essa condição acontecesse.
“É possível desenvolver com sustentabilidade”
O governador Gladson Cameli optou pelo discurso da integração ambiental com o agronegócio, como costuma fazer sempre que fala de meio ambiente e crescimento econômico. “Não precisamos derrubar nenhuma árvore, desmatar nada, para fortalecer o agronegócio, porque é possível, sim, desenvolver o estado com sustentabilidade”, garante o chefe do Executivo estadual, mostrando a firmeza que lhe é peculiar sobre o tema.
“Algumas pessoas tendem a entender que eu sou a favor do desmatamento ilegal e sem nenhum critério. Eu não sou”, diz ele. “Inclusive estamos encaminhando legislação para a Assembleia Legislativa que contemple todas as pessoas, tanto as que defendem a floresta em pé quanto as que entendem que o agronegócio é a melhor saída para o crescimento econômico. Mas ambas, no meu governo não vão entrar em conflito”, ressaltou Cameli. O documento a que ele se refere é o Zoneamento Econômico e Ecológico, que se encontra em fase de elaboração.
O governador também foi aplaudido pela comunidade ao anunciar a pavimentação asfáltica da via que corta o núcleo da reserva Cazumbá-Iracema, onde estão localizadas a sede da reserva, o posto de saúde, o campo de futebol e as residências da maioria dos moradores antigos. Ficou acertado que o Governo do Estado fornecerá os insumos, como por exemplo o ‘cimento asfáltico de petróleo’, o chamado ‘cap’, um dos principais produtos para o asfaltamento, enquanto que a Prefeitura de Sena Madureira entrará com o maquinário para a obra.
“Objetivo é a inclusão digital com cidadania”
Um passo gigantesco em favor da valorização das famílias no campo está sendo dado com a entrega da escola José Siqueira dos Santos, do centro tecnológico e do Centro de Artesanato Cazumbarte. E esse pensamento é também compartilhado pelo secretário de Educação, Cultura e Esportes, Mauro Sérgio da Cruz.
“Já nesta próxima semana, nossos técnicos do Núcleo de Tecnologia Educacional, o NTE, estarão aqui novamente para promover cursos de Word, Excel, Powerpoint e muitos outros, para os alunos e para a comunidade. A ideia é que todos possam usufruir da inclusão digital com cidadania e o respeito do Governo do Estado por cada aluno e por cada família”, afirmou o secretário.
Cruz descerrou a placa inaugural da escola, ao lado do governador Gladson Cameli e do prefeito de Sena Madureira, Mazinho Serafim. A instituição recebeu o nome de José Siqueira dos Santos como homenagem a um líder que se doou à comunidade em 1978, quando ali chegou, até 2013, quando faleceu.
Apesar de não ter tido a oportunidade de estudar, Zequinha como era carinhosamente conhecido pela comunidade, fez questão de oferecer estudos aos filhos. Ele trabalhou na construção da primeira escola no Cazumbá, onde a esposa, Maria Afonso Pinto, foi professora. Ela esteve presente na solenidade de inauguração.
Um dos construtores do Projeto Crédito Moradia, Zequinha construiu mais de 50 residências dentro da reserva, com a ajuda de seus filhos. Ele e Nenzinho ajudaram a formar o núcleo Cazumbá.
Maior riqueza da região
Levantamento do Instituto Socioambiental mostra que a flora da reserva Cazumbá-Iracema possui áreas com concentrações de espécies de muita econômica, atual, ou de grande potencial no futuro.
Árvores como o açaí, a jarina, a seringueira, a castanheira, a copaíba, o cedro, o cumaru-ferro, a cerejeira e o mogno acrescentam valor econômico imensurável na região, mas que no entendimento do coordenador regional das Unidades de Conservação do Acre, Thiago Juruá, só serão possíveis de serem exploradas se houver conhecimento.
“Educação e produção estão intimamente ligadas. A indústria da castanha, do açaí e de outros produtos da floresta só será possível se a comunidade tiver essa consciência proporcionada pelo conhecimento”, destaca Juruá.
Neste sentido, Leonora Maia, representante da Associação de Artesãos da Reserva Cazumbá, traz uma crítica. Ela afirma que é preciso uma política de valorização mais incisiva do artesanato regional, como forma de evitar que a identidade cultural da comunidade se perca no caminho da história.
“Não podemos perder a nossa identidade, a colheita da borracha para os nossos artesanatos e a castanha que a nossa floresta oferece precisam ser preservados, mas acima de tudo, precisamos de mercado”.
Segundo ela, o Acre não consome o artesanato produzido na comunidade e que agora ganha um reforço fundamental, com a entrega do Centro de Artesanato Cazumbarte. “Temos mercado fora, como a Itália, por exemplo, onde participamos de uma feira em que todos os nossos produtos foram vendidos com direito a muitos elogios por sua qualidade”, diz.
Ela acredita, no entanto, que o governo Gladson Cameli possa reverter essa situação com políticas de impulsionamento do setor, a cargo da Secretaria de Estado de Turismo e de Pequenos Negócios.
Leonora tem razão de acreditar em dias melhores, por entender que a comunidade do Cazumbá é digna do nome. Em 2011, o presidente da Associação de Moradores, o já mencionado Nenzinho, recebeu o Prêmio Ford de Conservação Ambiental, o Prêmio ‘Betinho Atitude Cidadã’ e o Prêmio ‘Personalidade Acreana’ na categoria Meio Ambiente.
Cazumbá-Iracema
A reserva foi criada por meio de decreto de 19 de setembro de 2002, com o apoio de várias entidades representativas do poder público e da sociedade de Sena Madureira, entre os quais o destaque é para a Igreja Católica.
Segundo um levantamento do Instituto Socioambiental, a região tem pelo menos 249 espécies de animais silvestres, sendo 179 aves, 44 mamíferos, 18 espécies de peixes e oito de répteis.
Destas, quatro espécies de mamíferos encontram-se atualmente na lista oficial do Ibama de espécies ameaçadas, o tamanduá-bandeira, o tatu-canastra, a onça-pintada e o cachorro-do-mato-vinagre.
A dieta dos moradores da comunidade baseia-se no consumo de animais domésticos de pequeno porte, nos produtos agrícolas e nos extraídos da floresta, na caça de subsistência e na pesca.
A borracha e a castanha são os principais produtos do extrativismo vegetal, extraídos por 32% e 12% das famílias, respectivamente. Mas eles utilizam outros recursos, como madeira, óleo de copaíba, açaí, mel e patuá. Todos dependem da agricultura para subsistência e obtenção de renda e os roçados são geralmente pequenos, com um hectare.
A mandioca é o único produto cultivado o ano inteiro, sendo importante por gerar renda regularmente, com a venda de farinha, de fácil comercialização. Já animais de pequeno porte são comercializados eventualmente.
A reserva é importante por ajudar a fixar a população no campo, contribuindo para a economia regional e fornecendo serviços ambientais que são parte de um sistema de unidades de conservação regionais que funciona como ‘zona tampão’ contra impactos ambientais sobre o Parque Estadual do Chandless.
Agência Notícias do Acre