Dois seres humanos – um repórter, Dom Phillips, um ambientalista, Bruno Pereira – transformados em sobras
Pelo dicionário, remanescente é o que sobra, o que resta.
Dois seres humanos – um repórter, Dom Phillips, um ambientalista, Bruno Pereira – transformados em sobras.
Incomodavam.
Foram cortados – ao meio, em partes, em postas.
Destrinchados.
No país que não consegue destrinchar armadilhas de crueldades sem fim. Nem limites.
Qualquer palavra é pouca, imprecisa, incapaz de traduzir a tragédia brasileira exposta no assassinato de Bruno e Don.
Quem ainda sente, para e pensa:
Que país é este?
Título da música, da banda de rock Legião Urbana, escrita em 1978, hit de 1987, expunha queixas sobre as mazelas do Brasil de então.
“Ninguém respeita a Constituição”, lembrava a letra.
Constituição?
Civilidade?
Respeito à vida?
Como nunca, matamos adversários – os contrários – com ódio e fúria. Crueldade extrema.
Nominados e conhecidos, remanescentes de carcarás-vampiros – federais, estaduais, municipais e locais – pegam, matam, retalham e riem.
Devem rir dos que defendem a vida, dos que atuam pela preservação da vida e do que significa estar vivo e por ela lutar.
Como lamentar o que temos vivido de 2018 para cá?
O que dizer dos assassinatos de Dom e Bruno?
Ultrapassamos nova barreira do horror?
Mais jovem, trabalhei por quase um ano no Amazonas. Sobrevoei a floresta, naveguei pelos rios Amazônicos. Chorei de emoção incontáveis vezes. Pela grandeza. Pela beleza.
Ali, aprendi a entender motivação e sentimentos de gente como André e Dom. Ainda sofro pelos assassinatos de Chico Mendes, de Dorothy Stang. Sofro pelos anônimos, indígenas ou não, brasileiros ou não, trucidados, abusados, estuprados, cortados em pedaços ou postas.
Que país é este, de tanta fome, tanto sangue, tantas lágrimas?
Um dia pior do que outro? Uma dor maior do que a outra?
O que sobra, remanesce da nossa humanidade neste Brasil de tantos corpos retaliados?
Que Brasil é este?
Tânia Fusco é jornalista
Fonte: https://www.metropoles.com