O governo federal se diz empenhado por “justiça tributária”. Petistas têm promovido campanha pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), resgatando o discurso “ricos contra pobres”. Essa propaganda polarizadora nada traz de bom. Mas, se aumentar o IOF e rachar a sociedade é o modo errado de promover “justiça tributária”, isso não significa que os impostos brasileiros sejam justos. Não são. E o próprio governo, como O GLOBO afirmou em editorial de março, já encaminhou ao Congresso projeto que, apesar das limitações, avança ao corrigir injustiças — a reforma do Imposto de Renda (IR).
A tributação no Brasil é repleta de distorções, em geral provocadas pela barafunda de exceções e regimes especiais. No caso do IR, quem ganha menos paga proporcionalmente mais — no jargão técnico, diz-se que o IR é “regressivo”. O percentual calculado depois dos descontos permitidos — ou a “alíquota efetiva” — sobe à medida que aumenta o rendimento, até os contribuintes de maior renda. A partir dos 5% que mais ganham, despenca. “A tributação da renda deixa de ser progressiva no ponto mais alto do topo da pirâmide”, escreveu em estudo recente o economista Sérgio Gobetti, do Ipea.
Há vários motivos para isso. O principal é que os rendimentos de quem tem renda mais alta costumam ser recebidos na forma de dividendos, pagos por empresas que se valem de regimes especiais, como Simples ou Lucro Presumido, para pagar menos imposto. Uma vez que os dividendos são isentos, esse mecanismo resulta em distorção que beneficia categorias como médicos, advogados, profissionais liberais e contratados como pessoa jurídica. Em seu estudo, Gobetti estimou as alíquotas efetivas pagas por diferentes estratos de renda, levando em conta tanto o imposto das empresas quanto das pessoas físicas. Concluiu que a carga tributária dos maiores beneficiários de regimes especiais é inferior à do “assalariado que ganhe R$ 4,5 mil mensais e inferior também àquela paga por outros empresários com mesmo nível de renda”.
A reforma do IR do governo propõe uma solução engenhosa para tal distorção. De início, isenta quem ganha até R$ 5 mil mensais (hoje a isenção vai até R$ 2.824). Também reduz alíquotas para a faixa até R$ 7 mil. As duas medidas beneficiariam 10 milhões de contribuintes, mas abririam um buraco na arrecadação estimado em R$ 27 bilhões. Para cobri-lo, a proposta impõe uma alíquota efetiva mínima aos 141 mil contribuintes que ganham mais de R$ 50 mil por mês — ela começa em 5% e sobe até 10%, para rendas acima de R$ 75 mil mensais. Tal mecanismo aproximaria os beneficiários dos regimes especiais de uma taxação compatível com seus rendimentos. O governo também sugere um teto: caso a soma das alíquotas pagas pela empresa e pelo sócio ultrapasse 34% (taxa do regime de Lucro Real, uma das mais altas do mundo), a diferença seria devolvida.
É verdade que não se trata da reforma ideal. Para isso, seria preciso derrubar as alíquotas corporativas aos patamares internacionais, reduzir exceções e regimes especiais, de modo a poder tributar os dividendos. Haveria não apenas “justiça tributária”; a economia como um todo ganharia competitividade. Mas a reforma ideal se revela politicamente inviável num Congresso avesso a enfrentar grupos de interesse. Ainda que paliativa diante do desafio, a reforma de IR do governo representa um avanço que deveria ser levado adiante.
Fonte: https://oglobo.globo.com/