Diante do espetáculo deprimente de atropelo das normas regimentais protagonizado por parlamentares durante o motim de 30 horas no Congresso na semana passada, é de esperar que a Casa reaja com presteza e rigor. Até para que os acontecimentos não se repitam. Mas, a julgar pelos primeiros movimentos da Corregedoria, que analisará o comportamento de 14 deputados acusados de envolvimento no episódio, a celeridade ficará para depois.
O corregedor parlamentar, deputado Diego Coronel (PSD-BA), decidiu adotar um rito longo, com prazo de 50 dias úteis. Inicialmente, a previsão era de 48 horas, como estabelecido em ato da Mesa Diretora assinado em maio pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Coronel se baseou noutro ato, de 2009, que concede prazo maior. Afirmou que cada uma das 14 representações será analisada de forma individual, descartando sanções coletivas. As punições previstas vão de simples advertência a suspensão do mandato por até seis meses.
Não há mistério que demande grandes investigações. Todo mundo viu o que aconteceu. Alegando insatisfação com a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, oposicionistas tomaram a Mesa Diretora e obstruíram os trabalhos na Câmara. O protesto se estendeu ao Senado. Os deputados chegaram a impedir que Motta ocupasse sua cadeira. Não bastasse esse absurdo, chantagearam o Parlamento, impondo, como condição para a desocupação, a votação de projetos sem cabimento: mudanças no próprio foro de julgamento (com a intenção de escapar de inquéritos no Supremo Tribunal Federal), a PEC da Blindagem (que restringe a investigação de parlamentares) e a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. O motim só foi encerrado depois de acordo costurado pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Motta, que diz não ter avalizado a negociação, mostrou desconforto com o acordo e defendeu “punições pedagógicas” aos envolvidos. “O que aconteceu foi muito grave”, disse. “Não se pode permitir que um grupo de parlamentares ocupe fisicamente o plenário com o intuito de impedir o andamento dos trabalhos.” Ele está certo. Depois de reunião de emergência da Mesa Diretora, encaminhou à Corregedoria 14 representações. O grupo acusado de quebra de decoro reúne deputados de PL, Novo e PP.
O histórico da Câmara infelizmente sugere que as punições serão brandas. Desde 2001, quando foi criado, o Conselho de Ética recebeu 234 representações contra deputados. A grande maioria (203) acabou arquivada. Oito resultaram em cassação pelo plenário e cinco na suspensão temporária. Outros casos foram punidos com censura verbal ou por escrito.
É óbvio que os acusados pelo motim têm todo o direito de se defender pelo rito previsto no regimento. Mas é preciso celeridade. Levar meses para analisar o caso e aplicar punições brandas, além de beneficiar os baderneiros, desmoralizará a própria Casa. Para 78% da população, os parlamentares priorizam os próprios interesses, e não os da população, segundo o Datafolha. Eles deveriam levar isso em conta. Além dos danos à imagem, se não houver rigor, qualquer um se sentirá no direito de sequestrar o plenário para impor à sociedade suas pautas radicais. Numa democracia, a política deve ser praticada por meio de diálogo transparente, não de chantagem ou da força.
Editorial do jornal O Globo de 13.08.2025
Fonte: https://oglobo.globo.com/