Por tudo que se vê no cenário global e doméstico a moderação é um atributo fora de moda. Daí por que clamar por ela, na política eleitoral, na interação entre os Poderes ou nas relações internacionais parece ser pregar no deserto.
A lógica inerente à polarização, que interessa fortemente aos que nela se enfrentam, é a de expelir qualquer tentativa de se evitar soluções cabais para um lado ou outro, alinhamentos peremptórios e postulados ideológicos definitivos.
O que acaba acontecendo é que mesmo aqueles que, a princípio, se propõem a moderar os extremos, são tragados pela tentação de abolir a autocontenção, como única forma de fazer frente às investidas polarizadoras.
Nesse sentido, é bastante ingênuo que países como Brasil e Estados Unidos emitam comunicados exortando Israel a reagir com moderação diante dos graves ataques do Irã no último fim de semana. A resposta será provavelmente mais letal que a ofensiva, alimentando um ciclo sem fim visível e no qual os apelos à tal da temperança caem no vazio e expõem cada vez mais o caráter praticamente inócuo das instâncias diplomáticas e multilaterais.
Peguemos, também, o delicado equilíbrio de atribuições dos Poderes, e as recentes críticas feitas ao que se vê como exacerbação por parte do ministro Alexandre de Moraes nos (vários) inquéritos sob sua responsabilidade. A diferença entre ser incensado como o salvador da democracia brasileira, como foi até alguns meses, e passar a ser cobrado como alguém que está extrapolando suas atribuições é uma linha tênue, muitas vezes invisível e que seus inimigos certamente saberão operar com maestria.
Mas o próprio ministro, tendo assistido de um lugar privilegiado fatos recentes da história política nacional que apontam para o mesmo ciclo de ascensão e queda de magistrados, poderia ter começado a construir o caminho para encaminhar as essenciais e graves investigações sob seu comando para o necessário desfecho.
Da mesma forma, a volta da roda da fortuna em relação à Operação Lava Jato expõe não uma tentativa de modulação e correção de rumos, mas a sede por revanche. E quando isso opõe, como grupos rivais numa briga de torcidas, alas inteiras do próprio Judiciário, o que se desenha não é aprimoramento institucional ou correção de injustiças, mas o desarranjo de todo o arcabouço necessário a que futuros escândalos envolvendo políticos e malversação de dinheiro público sejam corretamente enfrentados pelo sistema de Justiça.
Os exageros das ações do corregedor do CNJ, ministro Luis Salomão, na sanha revanchista contra Curitiba, levou de roldão desembargadores e juízes a granel, carregando nas tintas de acusações que não chegaram a se concretizar graças à correta e necessária ação, a tempo e hora, do próprio Supremo Tribunal Federal.
Não será aplicando os métodos draconianos que em muitos casos de forma correta foram apontados na força-tarefa da Lava Jato e no juízo de Curitiba que os vícios de outrora serão corrigidos, mas apenas acentuados com o sinal trocado. O resultado é um Judiciário que se autofagocita justamente no momento em que sofre inúmeras críticas e investidas de outros agentes, inclusive do Legislativo, que busca blindagem para os seus de carona na máxima repetida até por juízes de que não se pode criminalizar a política, como se ela não estivesse infiltrada pelo crime em suas diversas instâncias e de forma ecumênica e pluripartidária.
Falta moderação a todos os que batem no peito e se arvoram de superpoderes para resolver na violência e na canetada problemas complexos que teimam em não se deixar vencer no grito, como a polarização da política, o apelo de extremistas de corte populista, os conflitos entre países por território ou hegemonia ou o desequilíbrio das instituições de governança internas e globais, entre outros assuntos.
Vera Magalhães, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/