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Investigados pelo 8 de Janeiro devem ser condenados ou inocentados em julgamentos justos

Investigados pelo 8 de Janeiro devem ser condenados ou inocentados em julgamentos justos

Em manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro defenderam a anistia aos processados pelo 8 de Janeiro, ao próprio Bolsonaro na esfera eleitoral e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelos inquéritos relativos a atos antidemocráticos e à disseminação de desinformação. Nenhuma das ideias tem o menor cabimento.

Moraes se tornou uma espécie de alvo preferencial dos bolsonaristas por conduzir inquéritos que tramitam em segredo de Justiça e têm resultado em medidas contra parlamentares, aliados e propagandistas de Bolsonaro. Ao colocá-lo a seu lado no palanque do 7 de Setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ajuda, de modo impróprio, a lhe conferir um protagonismo político incompatível com o papel de um juiz. Mas é preciso ir além das aparências para avaliar os fatos.

É verdade que, em diversas ocasiões, Moraes extrapolou nas decisões tomadas nesses inquéritos — mais recentemente, nas punições contra usuários da rede social X e seu dono, o empresário Elon Musk. Nada disso justifica, porém, que investigações devam ser anuladas ou que deva haver algum tipo de anistia. Muito menos que estejam dadas as condições para uma medida excepcionalíssima como o impeachment de um ministro do Supremo.

É preciso ser rigoroso com o golpismo que tomou conta do país desde a campanha eleitoral de 2022 e culminou no vandalismo do 8 de Janeiro. Já está provado que, depois da derrota de Bolsonaro, houve minutas de decretos para mantê-lo no poder, reuniões com a cúpula das Forças Armadas — parte dela sucumbiu, mas felizmente a maioria resistiu à insinuação golpista — e uma conspiração que se materializou em acampamentos diante de quartéis do Exército, em tentativas de atentado num aeroporto e contra torres de energia, em bloqueios de estradas e no pior ataque já visto aos símbolos da República. Nada disso pode passar impune.

O próprio Bolsonaro foi corretamente julgado inelegível em razão de sua pregação fraudulenta contra as urnas eletrônicas diante de autoridades internacionais. O mais importante agora é que a Polícia Federal conclua com celeridade as investigações contra as centenas de envolvidos no 8 de Janeiro e que a Procuradoria-Geral da República, que tem tomado parte nos inquéritos conduzidos por Moraes, se encarregue de apresentar denúncia nos casos que julgar adequados, arquivando aqueles em que as provas forem insuficientes.

Os culpados pelo golpismo devem ser sentenciados nos termos da lei, com direito a todos os recursos que a legislação lhes oferece. Quanto aos eventuais erros que Moraes possa ter cometido na condução dos processos, o próprio Judiciário deve se encarregar de corrigi-los quando acionado nas devidas instâncias.

Acirrar a polarização por meio de ataques ao Supremo pode interessar a quem perdeu a eleição e gostaria de retomar o poder. Mas não interessa ao Brasil. A democracia brasileira depende do repúdio e da condenação a todos os crimes cometidos contra ela. O país tem de recobrar um clima de normalidade. E, com tantos problemas mais urgentes para resolver em segurança, saúde, educação, infraestrutura ou meio ambiente, a última coisa de que precisa é um processo de impeachment contra um ministro do Supremo.

Editorial do jornal O Globo de 10092024

Fonte: https://oglobo.globo.com/