Cientistas políticos debatem as dificuldades do Executivo no Congresso, que culminaram no imbróglio dos decretos do IOF. É um debate importante, pois se a natureza das dificuldades for mais estrutural do que conjuntural ou associada à forma do PT de fazer política, o esforço necessário para sua superação será maior.
Do lado estrutural, especialistas atribuem as dificuldades à grande disponibilidade de recursos do Orçamento para os congressistas, independentemente de apoio ou não ao governo. É o caso das emendas parlamentares (R$ 61,7 bilhões em 2025, sendo R$50,5 bilhões impositivos), que cresceram muito e representam cerca de um quarto das despesas discricionárias (não obrigatórias) ante 2% em 2015.
O quadro destoa da experiência mundial, conforme aponta estudo de Hélio Tollini e Marcos Mendes. Nos 11 países estudados, as emendas, quando presentes, representam parcela muito pequena das despesas e os congressistas precisam indicar sua fonte de recursos.
Para Sérgio Abranches, o volume de recursos garantido a cada parlamentar, sendo ou não da base governamental, é tão elevado que não é necessário ser fiel ao governo nas votações. Compromete-se, assim, o funcionamento do presidencialismo de coalizão — conceito por ele criado para designar a negociação política peculiar ao regime presidencialista multipartidário, em que o Executivo se utiliza de recursos e cargos como moedas de barganha para garantir a governabilidade.
Os difíceis temas fiscais a serem enfrentados pelo país, passando por reforma da previdência e redução de benefícios tributários, são agravantes. Eles aumentam o desafio de conquistar o apoio da base governamental rarefeita, para assim enfrentar grupos organizados que pressionam os parlamentares e barram reformas estruturais.
Do lado conjuntural, especialistas, como Carlos Pereira, argumentam que o presidente Lula falhou na gestão do presidencialismo de coalizão ao não compartilhar o poder com os partidos de base, especialmente na indicação nos ministérios. A base é fragmentada e não há uma distribuição proporcional de recursos e poder. Essa escolha implicou enfraquecimento do governo no Congresso.
No momento atual de estresse entre os Poderes, é necessário colocar também na conta o clima pré-eleitoral, em um contexto de baixa aprovação do governo, que levanta suspeitas sobre a competitividade do PT em 2026. Para piorar, o governo passou a alimentar o discurso de palanque de caráter antagonista, entre ricos e pobres.
Cabe acrescentar que a polarização elevada dificulta a obtenção de soluções consensuais, resultando em aumento do poder do centrão e o preço da barganha política. Lula não buscou a pacificação do país e agora dobra a aposta no antagonismo.
Todos esses fatores, estruturais e conjunturais, mostram-se hoje mais complementares do que excludentes, e até podem se retroalimentar. Conforme os governos se enfraquecem, o Congresso ganha maior espaço no orçamento. A conjuntura afeta a estrutura. Por outro lado, a frágil coalizão política dificulta o avanço de reformas e tende a prejudicar a aprovação do governo ao longo do tempo.
Um cenário de alternância de poder em 2026 em favor de candidatos de centro implicaria uma maior margem de manobra, pois fatores conjunturais são naturalmente superados e o jogo recomeça. Mas isso não significa que fatores estruturais sejam menores. Será necessário um grande esforço político para a construção de apoio no parlamento, principalmente passada a “lua de mel” inicial, quando o presidente tem maior capital político.
No caso de reeleição do PT, fatores conjunturais tendem a ser mais resistentes. Estrategistas políticos precisarão trabalhar muito para recuperar as pontes com o Congresso. O problema não se resume a falhas na articulação. Há desconfiança de lado a lado, inclusive por conta de o governo recorrer ao STF como instrumento de pressão.
Ainda que a disputa com o Congresso tenha rendido algum ganho na aprovação do governo – pela AtlasIntel/Bloomberg, o índice de aprovação subiu para 47,3% ante 45,4% em maio –, o efeito tende a ser transitório e, possivelmente, com reduzido impacto na competitividade do PT nas urnas, já que o adversário foi o Congresso, já muito mal avaliado.
A fadiga de material está bastante evidente. Qual será o espaço para conserto?
Zeina Latif, economista brasileira
Fonte: https://oglobo.globo.com/