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Bolsonaro traído

Bolsonaro traído

Enquanto Jair Bolsonaro lança apelos públicos por anistia, a defesa do ex-presidente dedica-se a construir uma nova versão dos fatos envolvendo uma suposta tentativa de golpe de Estado. O advogado Paulo Cunha Bueno disse que uma junta militar a ser criada no dia 16 de dezembro em 2022, conforme plano encontrado pela PF nos arquivos do general Mário Fernandes, é que seria a beneficiada de um golpe, não Bolsonaro. Os integrantes desse grupo assumiriam o governo no lugar dele, segundo Bueno.

A versão de que os militares tramaram uma ruptura institucional pelas costas de Bolsonaro e que pretendiam traí-lo em seguida não é crível por três motivos. Primeiro, porque não é isso que está escrito na planilha do general Fernandes. O documento detalha a estrutura e as funções de um gabinete de crise (a tal “junta militar”) a ser instalado no dia seguinte ao golpe.

Entre as suas atribuições estava assessorar Bolsonaro, não substituí-lo, como indica esse trecho: “Proporcionar ao Presidente da República maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo e tomada de decisão.” O gabinete de crise teria também a tarefa de cooptar o apoio do Congresso, coordenar as ações de agências de inteligência e das Forças Armadas, aplicar medidas jurídicas e estabelecer um discurso único para dentro e para fora do País.

Segundo, porque a legitimação do plano golpista se sustentava na ideia de que as eleições vencidas por Lula tinham sido fraudadas, uma narrativa construída por Bolsonaro desde o início do seu governo. Na visão dos golpistas, e isso fica claro nos documentos citados pela PF, o poder a ser combatido, deposto, era o dos ministros do TSE e do STF, não o de Bolsonaro. Esse seria mantido no cargo até a realização de novas eleições.

Terceiro, porque Bolsonaro é um líder personalista, figura indissociável do movimento que bloqueou estradas e se instalou nas portas dos quartéis pedindo intervenção militar após sua derrota nas urnas. Naquele momento, com o “mito” instalado no Palácio do Planalto, seria inviável contar com o apoio popular do bolsonarismo sem Bolsonaro. Uma situação muito diferente de 1964, quando o deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência após o golpe, mas quem mandava de fato era uma junta militar. Em 2022, o tal gabinete de crise teria muita dificuldade de construir um discurso de legitimidade se, além de atropelar o resultado da eleição, afastasse Bolsonaro do poder. Golpe dentro do golpe? Conversa pra boi dormir.

Diogo Schelp, jornalista

Fonte: https://www.estadao.com.br/